domingo, 24 de fevereiro de 2013

O Amor (Eugénio de Andrade)

Estou a amar-te como o frio
corta os lábios.
arrancar a raiz
ao mais diminuto dos rios.
A inundar-te de facas,
de saliva esperma lume.
Estou a rodear de agulhas
a boca mais vulnerável
A marcar sobre os teus flancos
o itinerário da espuma
Assim é o amor: mortal e navegável.
in "Obscuro Domínio"

domingo, 17 de fevereiro de 2013

(Vi)age(M) - parte 1

O sono interrompido pela fresta atrevida e luminosa da janela/o suspiro enquanto os corpos se fundem de prazer/o calor presente/odores vespertinos/ os pés/as passadas no chão flutuante/abres a torneira/sentidos perfumados enquanto a tristeza se apodera de nós/a procura canina de brincadeira com a ternura da sua paciência/calço-me, finalmente/a mesa/ a janela aberta para os sons da pequena floresta de eucaliptos que te avizinha diariamente/os vossos passos na rua a fugir à pressa da partida/ o saco já espera à porta/ o abraço furtivo/ o teu olhar depois da minha saída/ o elevador chegou e entro sem olhar para trás/caminho em direcção/a chuva disfarça a lágrima corajosa que fugiu/entro no carro e olho-te na janela dentro de casa/sigo/no carro o som da chuva não esconde o vibrar das tuas palavras ao meu ouvido/ pelo telefone/falamos no início da viagem/sigo/agora longe vou contar-te o que Vi/age sempre em busca do amor m/ o cinzento do dia completa o quadro de nuvens num céu pouco azul/na estrada fixo algo mas o olhar liberta-se/um bando de corvos marinhos atravessa o canal que alimenta os arrozais junto à fábrica branca abandonada/os barcos ali parados algures no rio/os campos perdem água/estão lavrados, já/verdes e coloridos pela realeza cinzenta das garças/uma aqui, outra a 20 metros de bico elevado como que a terminar o banquete matinal/mais uma, e outra e outra e olha outra/que bela manhã para observar aves/mas começo a afastar-me da brisa marítima/o cheiro a sal foge/ uma rapina espera no poste de madeira junto à comporta do canal/a casa abandonada/uma mulher de negro encostada á parede a olhar o pequeno cão castanho/um carro de mala aberta ao lado/o homem que segura a cana de pesca/mais gente de mota, no caminho de terra, se aproxima com canas/desvio o olhar para a minha esquerda/uma cegonha fez-me rodar a cabeça, ela plana e por fim pousa sobre o solo do arrozal/três cavalos, um branco, um pequeno e castanho e outro russo estáticos apreciam a queda suave das gotas de chuva, junto às ruínas do antigo armazém que sucumbiu ao tempo e às intempéries/ou então sorriem para a coragem de dois primos equídeos que permanecem em campo aberto, indiferentes, a pastar/garças boieiras, garças brancas, gaivotas, mais duas rapinas que sobrevoam a auto estrada/Greg Laswell, Other Lives, Birdy, Wild Beasts, Paper Lions, The XX, Ludovico Einaudi e a tua voz povoam-me até aqui/contínua a viagem/os campos já ficaram para trás, como tu/perco-te e ganho estas imagens de aves e árvores/ sim a árvore grande junto ao rochedo contínua com o olhar vincado no horizonte/os pinheiros ladeiam-na, mais a baixo eucaliptos, eucaliptos, eucaliptos/onde estão as árvores/campos cultivados e algumas casas/ há rochas ali/ o céu ficou mais azul/ carros/carros/carros/ começo a afastar-me do Mondego/sei que amo a minha serra, mas a coragem de lutar pela ausência de ti, começa a fazer-me mal/achas que a Primavera está a chegar?/em breve partirei da minha montanha/voltarei de férias para procurar os meus cheiros, os meus lugares, as histórias dos meus avós/passo junto ao rio que alimenta a cidade dos estudantes/as escadas do fado são para todos os seres/olho estas margens e as grandes árvores soldado que as protegem/ambas tristes e assustadas pelo sofrimento das lampreias, também elas em luta, mas de sobrevivência/em frente já vejo as montanhas/olho a serra rodeada de guardas nuvem/vejo aqui pinhal/ali o pinhal de outrora/os moinhos em cima da montanha/dizem adeus ou abraçam à chegada/as mimosas estão floridas/carros que partem e chegam aos destinos.(Parte 1)

p.s Fecha os olhos e escuta-me ao teu ouvido. No gira-discos  já é Primavera com Einaudi. Beijo.



B.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Monstra Linda do meu coração

Acabei de falar contigo ao telefone... (Roubaste-me as palavras)
sim porque estava nos meus devaneios (des)construtivos de palavras,
Beckett inspira-me sim,
Mas TU,
és a dona do meu coração
e do meu pensamento.
Amorrrrrr estás quase aqui.













B.

Foto(grafia)

máquinas/máquinas/máquinas/a caixa negra/folha de papel/reflexos de um ser/alma roubada/viagem marcada/lembrança/a escrita na imagem/películas/a caixa negra/a luz do olhar/luz/luz/luz/percorrer/vibrar/recordação/a voz/sem som/a caixa negra/milímetro/buraco/presença/presença/presença/criação/
interpretação/palcos/retratos/sorrisos guardados/dias no coração/arte real/estilo/filtro/a tua revelação/imagem/noite/dia/lomo/grafia/rolo/polaroid/a raiz/foto.
Foto(grafia)...









B.

Psssttttttt...

Está


            Alguém


                                   Aí?










B.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Vigilia

O sono não vem. Levanto-me e escuto o vento que sopra lá fora.
A cidade dorme, tu dormes. Sinto a aragem fresca da noite.
Há quem diga que o leite morno adormece. Eu digo que tu me adormeces quando me envolves e me afagas o cabelo e o corpo. 
Estás longe!
Estou longe, presa à terra. As minhas raízes comprometem o meu ser. Tenho saudades tuas.
Quero soltar-me, não consigo. 
Choro, volto para a cama. soluço, grito em silêncio, não consigo respirar.
Estou frágil.
Adormeço...

M.