“Se terminar
este poema, partirás. Depois da
mordedura vá do
meu silêncio e das pedras
que te atirei
ao coração, a poesia é a última
coincidência
que nos une. Enquanto escrevo
este poema, a
mesma neblina que impede a
memória límpida
dos sonhos e confunde os
navios ao
retalharem um mar desconhecido
está dentro dos
meus olhos — porque é difícil
olhar para ti
neste preciso instante sabendo que
não estarias
aqui se eu não escrevesse. E eu, que
continuo a
amar-te em surdina com essa inércia
sóbria das
montanhas, ofereço-te palavras, e não
beijos, porque
o poema é o único refúgio onde
podemos repetir
o lume dos antigos encontros.
Mas agora pedes-me que pare, que fique por
aqui,
que apenas
escreva até ao fim mais esta página
(que, como as
outras, será somente tua — esse
beijo que já
não desejas dos meus lábios). E eu, que
aprendi tudo
sobre as despedidas porque a saudade
nos faz adultos
para sempre, sei que te perderei
em qualquer
caso: se terminar o poema, partirás;
e, no entanto,
se o interromper, desvanecer-se-á
a última
coincidência que nos une.” Maria do Rosário Pedreira
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