"Todas,
mesmo quase todas, as pessoas pequenas quando crescem se transformam em pessoas
grandes. As mãos tornam-se compridas — e são capazes de um adeus que se
distingue à distância; os dedos longos, e às vezes tão longos que quando
apontam ficam para lá da vista, perto de tocarem o que querem apontar. As
pernas são quase pontes sem água, arcos enormes por onde se passa; e entre cada
passo que dão, cabem vinte ou trinta mais pequenos, ou então uma corrida de
lebre em disparada. Os olhos deixam de ser de ver ao perto, e por isso não
conseguem reparar, mesmo que queiram, nos olhos das formigas, que são de um
verde-escuro, quase terra; deixam de conseguir ver os homenzinhos de sombra que
entram à noitinha pela janela, e nos passeiam pelo quarto fora. E mesmo quando
os apontamos com os nossos dedos pequenos de tocar as coisas próximas, dizem,
rindo com a certeza dos olhos de ver ao longe, que não se trata de homenzinhos
a sério, mas da sombra sem forma dos candeeiros que iluminam a noite lá fora.
Todas, quase
todas, as pessoas pequenas quando crescem se transformam em pessoas grandes e
só muito poucas se tornam grandes pessoas. Como a Alice. Mas, antes de ser uma
grande pes soa grande, Alice já fora uma grande pequena pessoa. Por isso,
quando cresceu continuou a ver os olhos verde-escuros quase terra das formigas.
A diferença é que agora os via com os seus olhos grandes de grande pessoa que
também conseguia distinguir a pupila azul-celeste-quase-céu nos mesmos olhos
verde-escuro-quase-terra das formigas. E os seus dedos ficaram tão compridos
que tornavam perto as coisas que estavam muito longe. E muitas vezes se via a
Alice ir buscar uma gota de céu às nuvens e um fósforo de luz ao Sol..."
Rita Taborda Duarte, A Verdadeira História da Alice
B.
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