sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Quando ficamos como assim (José Luís Peixoto)

"Quando ficamos como assim, a ouvirmo-nos e a falarmo-nos, somos capazes de descobrir muito mais do que todos eles, obedientes e assustados.
Como aqui, assim, estas palavras a levarem esta voz fazem-nos saber que estamos juntos, mesmo quando não há uma sala com estas paredes e só conseguimos duvidar e duvidar desta verdade.
Estamos juntos, mesmo quando nos separarmos pelas ruas e, dentro de nós, somos um exército de segredos, mesmo quando nos escondermos do mundo que desejamos e que desejamos indescontroladamente, desincomparavelmente, como um silêncio que mente e mente e não mente.
Estamos juntos no silêncio, apesar desta voz carregada por estas palavras, apesar das formas todas dos nossos corpos e dos desenhos que somos capazes de fazer com o olhar. As nossas mãos procuram-se à noite, dentro das luzes apagadas. As nossas mãos, nossas, encontram-se agora e são invisíveis. Sabemos que os nossos dedos tocaram outros dedos, tocaram nomes e cordas de guitarra. Sabemos quem somos. Somos muitos e sabemo-nos reconhecer. Assim, como aqui, esperamos a madrugada, sabendo que fomos nós, juntos, que a construímos. Esperamos muito mais do que a madrugada.
Temos a força de para sempre, aprendermos a renúncia de nunca mais. A disciplina está enterrada naquilo que não é medo, é força, e que nos protege, que nos protege de nós próprios. Esta voz, se eles conseguirem entender esta voz, mudaremos de língua. Esta voz é esta sala. Esta voz são os caminhos que fizemos à margem das cidades e de argumentos razoáveis. As palavras são pedras. As certezas perseguiram-nos e abrandamos para que nos alcançassem.
Agora, controlamos pontes e quotidianos. Agora, esta voz dirige-se ao teu rosto.
Nada nos é impossível. Nem mesmo o impossível nos é impossível. Explicamo-nos uns aos outros e, sem que ninguém nos perturbe, encontramo-nos sempre como agora, aqui, assim, como agora, aqui, assim." José Luis Peixoto In Gaveta de Papéis


B.

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